quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Tempo.



Dia após dia imagens se repetiam, sem que ninguém as percebesse. Sem que ninguém desse a devida atenção. Todos os dias não passavam de rituais, que se repetiam, só o que mudava era o tempo ou as estações do ano. As mesmas pessoas, os mesmos trajetos que nunca se modificavam. Assim era sua vida: um conjunto de ritos repetidos e automáticos. Não se pensava para dar um passo, eram as mesmas árvores, o mesmo caminho, os mesmos passos, a mesma estrada e as mesmas pessoas de sempre. Pessoas com destinos entrelaçados de alguma forma, pessoas com muito e nada em comum. Mas o que é comum? O mesmo par de sapatos ou a mesma cor da camisa? A mesma função numa empresa ou a mesma quantidade de filhos? Seria a mesma canção ouvida em um par de fones auriculares e que ninguém mais sabe? Seria o mesmo ar que se respira ou o mesmo resfriado? O mesmo corte de cabelo ou a mesma cor predileta? O que significa comum? O mesmo trajeto repetido todos os dias?



O caminho é um só. É sempre o mesmo. São as mesmas pessoas, são os mesmos ternos engomados, são as mesmas camisas suadas, a mesma cor, o mesmo cheiro, o mesmo número de bancos da praça, a mesma quantidade de assentos. Só o que muda é o tempo. O tempo que cada um tem. E o seu era curto, apressado e sem tempo para perceber o seu cabeleireiro comendo um cachorro quente na barraca da esquina ou a sua faxineira no mesmo vagão do trem. O entregador de pizza caminhando com seu filho no colo ou o carteiro na fila do banco. O tempo não deixava ver o vizinho do padeiro na casa da frente ou o filho do porteiro no jardim do vizinho. Era difícil perceber coisas tão cotidianas. O tempo era curto demais para que prestasse atenção em coisas tão insignificantes. Só o que importava era chegar no horário. No horário para que? Só o que importava era cumprir seu horário. Cumprir com o tempo estipulado.


O tempo. O que é o tempo? É a velocidade em que correm os ponteiros do relógio? São os segundos desperdiçados que se utiliza num copo de água gelada? São os minutos apressados que leva para fazer uma refeição? São as intermináveis horas de insônia? São os números do calendário? O que é o tempo? Ele não sabia. Ele nem sequer tinha tempo para pensar nisso. Haviam coisas muito mais importantes para se preocupar. Como, por exemplo, qual gravata usaria na manhã seguinte. Talvez fosse melhor usar aquela com o nó já feito, para economizar tempo. Ou talvez fosse melhor tomar café no trabalho, para não chegar atrasado e não ter aborrecimentos matinais. O caminho levava apenas alguns minutos, passando por uma praça arborizada, em forma circular, passando por três semáforos e uma faixa de pedestre sem sinalização nenhuma. Mas ele preferia pegar um metrô lotado, sem janelas, sem paisagens, silêncio e corpos quentes lutando por espaço, apenas para economizar alguns minutos, que iam ser utilizados para elaborar um novo relatório, perdido no dia anterior por uma mancha de café, que o manteria acordado por mais tempo.


E pra que tudo isso? Para que o seu ritual diário se repetisse com sucesso, para que o tempo não fosse desperdiçado com coisas sem importância e sim aproveitado, com aquelas que realmente importam, como digitar um relatório, como dormir três horas por dia para que o dia dure mais e se possa ter tempo para uma reunião depois do expediente. Aproveitar o tempo para verificar seus emails e recados, para bajular seu chefe, para engraxar seus sapatos. Coisas sem importância, como olhar o sol pela janela, sentar no banco da praça e ler um bom livro, almoçar sem pressa, beber um copo de água cheio, ou amarrar os sapatos, dormir até tarde no domingo ou passear com o cachorro, levar os filhos na escola ou tomar um café da manhã decente. Isso tudo era perda de tempo, ficava pra depois, pra mais tarde. Ele não tinha tempo suficiente pra isso. Não tinha tempo para coisas sem muita importância e que ocupasse o tempo que tinha para fazer coisas que realmente importavam. Só o que precisava era de mais uma xícara de café e um pouco mais de tempo.






08/10/2010 21:43 hrs.


Ao som de: Going Nowhere – The Cure

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Estagnação.




Chovia lá fora. Era possível ouvir as gotas caindo e batendo em cada poste, em cada carro em movimento e em cada guarda-chuva colorido.




Dentro daquela sala, esforçava-se para prender a sua atenção, buscava algo que conseguisse prendê-la e segurá-la forte para que não escapasse. Em vão. Sua mente encontrava-se perdida, viajava por muitos lugares e, ao mesmo tempo, não estando em lugar algum.


Pensava e imaginava o que se passava do lado de fora, naquela tarde cinzenta, fria e triste. Sem poder sair, sem poder ao menos se mover, ouvia os ruídos do lado de fora, que despertavam a sua curiosidade. Lá dentro, só o que ouvia eram palavras perdidas, vazias e sem nenhum sentido sequer.


Seus olhos estavam pesados e aos poucos, distraidamente, iam se fechando. Lutava para mantê-los abertos, mas seu corpo já não lhe obedecia mais, pensava e agia por si próprio, contra sua vontade, sem se importar, sem pedir licença.


Distinguia-se do resto das coisas ao seu redor. Das pessoas mudas, alienadas e com cabrestos que as impediam de ver o mundo ao redor delas. Só o que existia era aquele cubículo: pequeno, abafado e branco.


Sentia sono e uma vontade incontrolável de sair dali. Olhava em volta e só via olhos que não piscavam e sorrisos falsos tatuados nas faces dos outros seres. Não aguentava mais. Olhava no relógio e os ponteiros não se moviam. Olhava o céu, pela janela, e a noite não chegava. Era tarde de chuva. Era noite, o dia todo. E trovejava. Podia ouvir os gritos assustados do lado de fora. Mas sua vontade era sair. A chuva impedia todas aquelas pessoas, mas ainda assim queria sair. Queria correr com os pés molhados, olhar para o céu e ver a chuva cair, sentir o vento gelado e a água molhando os seus cabelos. Queria lavar sua alma, suja, poluída e que pesava cada vez mais.


Sua cabeça doía, latejava. Seu corpo, contraído, desconfortável e inquieto. Não queria mais pensar, não queria mais nada. Aquilo tudo não era o bastante e incomodava sempre e o todo tempo. Mas não tinha coragem suficiente para sair, mesmo que ninguém notasse a sua presença ou sentisse a sua falta. Rendeu-se então a fraqueza de seu corpo e seus olhos, que fecharam-se, então, até a chuva passar.






24-09-2010 – 16:02 hrs.


Ao som de: Try your Best – Kaiser Chiefs

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Inverno.



O futuro é incerto. Ele não existe. A sua história ela mesma fazia. E traçava, lentamente numa simples folha de papel. Reciclado. Recriando todas as palavras e letras que sabia. Nada fazia sentido e tudo era incerteza.



Mais um inverno se aproximava e ela esperava o verão chegar. O vento era gelado e trazia certa melancolia que inibia qualquer vontade de levantar da cama e largar aqueles pensamentos sem sentido, atormentados por sonhos vagos e idéias alheias, que lhe perturbavam o sono e não desgrudavam de jeito nenhum. Não gostava do frio e daqueles pensamentos associados a ele. Mas nada explica sentimentos ou lhes dá algum significado ou consideração.


O seu tormento era existir. Isso não lhe bastava e a atormentava dia, noite e madrugada, naquela cama gelada. Não se contentava com uma vida qualquer, sem sentido algum, sem expectativas e perseguida por coisas que queria esquecer.


Era inverno de novo. Ela preferia a primavera. Nem frio demais, nem calor demais. Tudo parece (re) nascer. O inverno apaga a esperança cultivada no outono e nada mais resta, até que uma nova vida surge na próxima estação, e sobrevive por todo verão, na esperança de durar até o outono acabar. Mas isso nunca acontece. A esperança acaba. E é um ciclo infinito de desilusões, esperando outra estação.


E era assim com ela, todo o tempo. Criando expectativas para que crescessem e virassem desilusões. Nada renascia, era tudo sempre igual e do mesmo jeito. Era sempre a mesma coisa, o mesmo ciclo. E a culpa era dela. Somente dela. E de mais ninguém. É mais fácil quando se tem a quem culpar, livra-se de uma frustração inevitável e a consciência não pesa. Mas e quando não depende de mais ninguém? E quando a decisão que toma é o que vai decidir todo o resto?


Hoje começa o inverno e o futuro não existe. Tanto faz. Já não faz mais diferença, muito menos sentido algum. É inverno novamente e tudo é incerteza.


















05-09-2010


Ao som de: Stardust Galaxies – The Parlotones

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Prisão.

Andava de um lado para o outro de seu quarto. Enlouquecia. Trancada naquele cubículo, sem nada poder fazer. Não que não pudesse realmente, mas não havia nada a se fazer naquele momento.



Buscava distrações momentâneas e evitava olhar no relógio, que insistia em fazer um barulho altíssimo a cada passo de seus ponteiros.


Já não agüentava mais aquela agonia, aquele tédio e sua sensação de impotência. Sentia-se incapaz. Incapaz de sair dali. Incapaz de decidir se levantar da cama. Incapaz de decidir um rumo para sua vida.


A sua vida era sua. E depois de muito esforço para conquistá-la, o que fazer com ela?


Uma vida como aquela não tinha a mínima serventia. De nada adiantava viver somente pra si. Mas tinha feito sua escolha e era tarde demais para voltar no tempo.


Andava de um lado para o outro, naquele quarto. Pensava em milhares de coisas a serem feitas. E em milhares de coisas as quais havia deixado para trás. As quais havia deixado escapar.


Imagens lhe cercava, trazendo à tona o filme de sua vida, como se estivesse sonhando sem ter dormido.


Os ponteiros do relógio pareciam não se mover. E todos os dias da sua vida eram todos iguais. E a culpa era só sua. Por nada ter feito, nada fazer e deixar escapar tudo aquilo que podia mudar sua vida.


Olhava pela janela, olhava ao seu redor e caminhava pelo quarto, cheio de recordações do passado, cheio de silêncio e do vazio que lhe tomava conta.


Pensava em sair. Mas havia pelo menos dez motivos que a impedia que o fizesse.


Pensava sempre no amanhã e de nada adiantava, pois o amanhã era sempre o hoje deixado pra depois e esquecido.


De nada adiantava pensar. Era preciso mais do que lamentos e vontades. Era preciso muito mais. Muito mais do que mover os ponteiros lentos do relógio.


Andava de um lado para o outro de seu quarto e pela janela, via a vida passar.










28-08-10


Ao som de: For Martha – Smashing Pumpkins