segunda-feira, 23 de maio de 2016

CAPÍTULO QUATRO – (da necessidade de uma carta que nunca foi escrita)



Eu odeio você. Odeio tudo aquilo que eu podia ter sido e não fui por sua causa. Odeio a sua presença constante na minha vida, o vazio imenso que você deixou em todos os cômodos da minha casa, o buraco que ficou no meu peito e que curativo nenhum é capaz de tapar.
Odeio a necessidade que eu tenho de receber notícias tuas, odeio a minha incapacidade de não pensar em você. Odeio cada centímetro de sentimento que ficou grudado aqui, na minha pele, no meu olhar. Odeio o seu cheiro que ficou cravado em mim. Odeio as marcas tatuadas em meu corpo que não me deixam te esquecer. Odeio lasanha. Odeio tapioca. Odeio as bordas de pizza. Odeio as canções de amor e de derrota que me aparecem como sugestões no youtube.
Odeio tudo aquilo que ficou de você e que não consigo mais arrancar de mim.
Precisava te dizer o quanto te odeio. O quanto te considero egoísta, por ter pensado só na sua felicidade e estar pouco se fudendo pra mim, se eu ficaria bem com a tua distância, se eu sobreviveria ao teu abandono, se eu seria capaz de me cuidar sozinho, se eu me lembraria de tomar todos os meus remédios ou se eu conseguiria acordar no horário certo por conta própria. Odeio a ideia de que pudesse depender de você, seja na forma que fosse. Não consigo admitir a minha total fragilidade em te pertencer por inteiro, em sentir sua falta a todo instante... Em te ver em cada canto desta casa, dessa cidade... Em cada suspiro do meu pensamento.
Fiquei cego. Já não consigo enxergar o outro lado da moeda, estou obcecado pelo meu sentimento pertencente a tua imagem e a tudo que ela representa. Já não me satisfaço com minhas alegrias momentâneas. Já não me tranquilizo com meus sorrisos ocasionais. Já não esboço reação positiva a demonstrações de afeto.  Tudo que me toma é sobre você, meus pensamentos todos te associam de alguma forma e te buscam na expectativa de te ter novamente. E já não enxergo nada além dos buracos causados por você e a sua insistente mania de me abandonar. Uma, duas, três... Ou quantas vezes se fizerem necessárias. Ou quantas vezes você precisar de um tempo pra você, pra se encontrar, pra se perder, pra fingir que se importa comigo ou seja lá com quem for... Tudo pra fugir de um destino que é seu... Que é nosso... E que não há fuga que impeça.
E toda vez é isso: Você vai, me deixa em lágrimas não assumidas. Me deixa engasgado com os teus desaforos. Some. Me angustia com a preocupação da tua morte ou qualquer coisa que o valha. E depois volta, como se nada tivesse acontecido, achando que um pedido de desculpas é o suficiente pra apagar todo o mal que me causou e a quem se aproximou de mim neste meio tempo, por consequência. A quem me encontrou derrotado e perdido, fraco e sem rumo, sem direção, sem palavras, só desespero. Um desespero contido, reprimido e ilusoriamente camuflado. Como se um pedido de desculpas anulasse as feridas deixadas por suas palavras e atitudes impensadas, ou pensadas demais unilateralmente. Pensadas demais no seu amor...próprio.
E a cada fuga tua, a culpa era de alguém diferente que não você. Era minha, era pra não destruir, era pra não magoar, era pra dar espaço. Era pra ter espaço. Era pra que eu fosse feliz.
E nessa tentativa de “me fazer feliz” só o que conquistou foi a minha quase morte, dia após dia. Quase um infarto a cada dia que passei longe de você, esperando o seu retorno, esperando as suas certezas voltarem pro lugar, esperando você querer mais um café, querer ocupar novamente o seu espaço na última gaveta, o seu espaço aqui dentro.
Odeio ter que admitir: sinto sua falta. Odeio e não sou capaz de dizer em voz alta. Odeio admitir também qualquer tipo de fragilidade.
Permaneço intacto nas minhas convicções. Ou pelo menos é o que eu disfarço. Mas por dentro sou pura devastação. Não há pilar que se mantenha em pé quando o assunto é você. Quando cogito a possibilidade de você voltar.
E eu sou esperança. E ao mesmo tempo pura covardia. Me saboto a todo instante pra não ter que lidar com tudo aquilo que esperei todo esse tempo. E odeio isso também.
Odeio tudo sobre você. Odeio tudo em mim sobre você. E odeio mais ainda não ter coragem de dizer, muito menos assumir. Muito menos não conseguir deixar de me sentir culpado em sentir tudo isso. Odeio não conseguir guardar rancor das tuas ofensas.

Odeio precisar te dizer o quanto odeio você.
E preciso dizer que te odeio.





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